domingo, 25 de setembro de 2011

Intolerância ao exercício secundária à insuficiência cardíaca congestiva

Anamnese: Uma cadela da raça dogue alemão, de 8 anos de idade, foi previamente diagnosticada como portadora de cardiomiopatia dilatada idiopática; este aumento cardíaco generalizado e grave é observado nas radiografias torácicas. A cadela tem perdido peso gradualmente e é incapaz de completar as caminhadas diárias com os seus donos.

Exame clínico: Os pulsos femorais são fracos, porém regulares e a frequência é de 140 batimentos/minuto. As mucosas estão pálidas e o tempo de preenchimento capilar está prolongado. Os sons cardíacos estão abafados e ausculta-se um sopro no lado esquerdo, sobre a válvula atrioventricular. A frequência respiratória é maior do que o normal (45 respirações/minuto). A auscultação revela murmúrio broncovesicular aumentado. O abdómen está distendido e torna-se difícil a palpação dos órgãos abdominais.

Realizou-se um ECG e este revela uma taquicardia sinusal, com complexos QRS largos e de alta voltagem.
Na radiografia torácica observa-se um grande aumento do coração e edema pulmonar moderado.
A ecocardiografia revela dilatação de todas as cavidades cardíacas; a fracção de ejecção está abaixo do normal e há regurgitação mitral.
Foram realizados testes de diagnóstico adicionais para ajudar a avaliar o grau das complicações secundárias à insuficiência cardíaca. A percentagem de saturação da hemoglobina no sangue arterial era de 78% (normal: 95-100%); a diferença no conteúdo de oxigénio entre o sangue arterial e venoso é de 8.5 mL de O2 por decilitro de sangue (normal: 4-6 mL); a concentração sérica de creatinina é de 3 mg/dL (normal: < 1 mg/dL); a densidade urinária é de 1.036 (limite máximo normal) e a pressão venosa central é de 14 mmHg (normal: 0-3 mmHg).

Quando a cadela é forçada a exercitar, esta fica cansada em menos de 1 minuto; as pernas começam a tremer e por vezes desmaia; nesses momentos a frequência de pulso é de 180 batimentos/minuto e as mucosas estão escuras e cianóticas.

Comentário: A insuficiência cardíaca crónica secundária à cardiomiopatia é comum em cães de grande porte, com mais de 4 anos de idade. Frequentemente a cardiomiopatia é idiopática. O caso apresentado aqui é bastante típico de insuficiência cardíaca avançada. Todas as alterações clínicas são consequências directas da insuficiência cardíaca ou das tentativas do organismo para compensar. Em suma, a insuficiência ventricular (contractilidade reduzida) leva à diminuição do volume de ejecção, do débito cardíaco e da pressão sanguínea.
As compensações para a insuficiência cardíaca envolvem reduções reflexas na actividade parassimpática, aumentos na actividade simpática e elevações na libertação da ADH e renina.
A frequência cardíaca aumenta, o que ajuda a normalizar o débito cardíaco. A pressão de pulso, avaliada por palpação do pulso femoral, é reduzida (visto que a frequência cardíaca está elevada e o volume de ejecção é baixo). Há um menor suprimento de sangue para a mucosa, órgãos esplâncnicos, rins e músculo esquelético em repouso devido à vasoconstrição; isto ajuda a manter a pressão arterial e reserva o débito cardíaco disponível para o coração e para o cérebro. A vasoconstrição é evidente pela palidez e pelo preenchimento capilar lento das mucosas. A vasoconstrição renal reduz a velocidade de formação de urina; a perda urinária de água e sal é reduzida pelas acções da ADH e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, logo, a urina formada possui uma alta concentração de solutos (alta densidade). Os produtos metabólicos (por exemplo: creatinina) que são normalmente eliminados pelos rins, acumulam-se no sangue. A retenção de sal e água eleva o volume sanguíneo para valores acima do normal.
A maior parte do excesso de volume sanguíneo está nas veias, de modo que as pressões venosas e atriais aumentam de forma anormal. A pressão atrial elevada (pré-carga) aumenta o volume diastólico final do ventrículo, o que ajuda o coração insuficiente a bombear um maior volume de ejecção. Porém, o excesso de volume e de pressão sanguínea nas veias também causa edema sistémico (distensão abdominal devido à ascite) e pulmonar (visível nas radiografias torácicas). O edema pulmonar prejudica a habilidade dos pulmões de receber sangue oxigenado. Portanto, a saturação de hemoglobina e o conteúdo de oxigénio do sangue arterial estão abaixo do normal nesta cadela. Os tecidos respondem à baixa oferta de oxigénio, captando tudo o que é possível durante o fluxo tecidual; isto faz com que a diferença arteriovenosa do conteúdo de oxigénio seja maior do que o normal. O transporte cardiovascular inadequado conduz a uma baixa função gastrointestinal e a alterações metabólicas nos tecidos, ocorrendo perda de peso.
Apesar de muitos mecanismos compensatórios, esta cadela é incapaz de oferecer uma quantidade normal de sangue bem oxigenado aos órgãos, mesmo em repouso. Quando a cadela tenta realizar exercício, o débito cardíaco aumenta muito pouco; portanto, quando ocorre uma vasodilatação induzida pelo exercício físico nos músculos em actividade e a resistência periférica total diminui, a pressão sanguínea cai de forma dramática. Ocorre uma redução adicional do fluxo tecidual nos tecidos da circulação sistémica que já estão a sofrer vasoconstrição (por exemplo: mucosas) e estes tecidos tornam-se hipóxicos e cianóticos. O fluxo sanguíneo inadequado na musculatura em exercício provoca hipóxia e acidose; dado isto, a cadela acaba por desmaiar.

Tratamento: A estratégia de tratamento para esta cadela é melhorar o desempenho contráctil do miocárdio. Teoricamente, agonistas beta-adrenérgicos e glicosídeos cardíacos poderiam ser administrados para aumentar a contractilidade cardíaca. Porém, os fármacos actualmente disponíveis são ineficazes ou apenas discretamente eficazes em cães com insuficiência cardíaca crónica grave. Portanto, o tratamento deveria ser direccionado para os sintomas, com o objectivo de controlar a congestão pulmonar e melhorar o débito cardíaco. Os diuréticos e os venodilatadores reduzem as pressões venosas e são geralmente eficazes no controlo dos sinais de congestão. Devem ser usados com cuidado, porém, pois existe o risco de reduzir a pré-carga e, portanto, exacerbar o baixo débito cardíaco. Os vasodilatadores arteriolares podem aumentar o débito de um coração insuficiente reduzindo a pós-carga (pressão arterial) contra a qual o coração deve ejectar o sangue. O tratamento inicial adequado para este cão inclui diurético (furosemida) e um glicosídeo cardíaco (digitálico).
Se o digitálico não melhorar a contractilidade cardíaca neste caso de cardiomiopatia avançada, pode-se adicionar um vasodilatador arteriolar (hidralazina) ou um vasodilatador-venodilatador misto (enalapril) ao regime de tratamento com furosemida.
Apesar do tratamento, o prognóstico para um cão com insuficiência cardíaca crónica grave não é o ideal.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Caso Clínico

Aqui se segue um caso clínico sobre um canídeo, muito interessante a meu ver, que me foi enviado pelo colega Ricardo Felisberto, ao qual eu agradeço a sua disponibilidade em fornecer casos clínicos.


Este é o link onde se pode fazer download do caso clínico em pdf:


terça-feira, 31 de maio de 2011

Informação sobre a nova vacina contra a Leishmaniose.

A Leishmaniose é provavelmente a doença infecciosa que mais afecta actualmente a saúde da população canina em geral. Sendo Portugal uma zona endémica de Leishmaniose, é uma doença cada vez mais diagnosticada e há muito que se anseia por um modo de prevenção efectivo que ajude a combater este flagelo.

A primeira vacina na Europa contra a leishmaniose canina já está disponível. Com o nome CaniLeish®, a Virbac lançou no dia 24 de Maio de 2011 a tão aguardada vacina. A Canileish® é uma vacina cuja eficácia foi demonstrada em vários estudos que incluíram um ensaio de campo em condições extremas. Esta vacina comprovou a sua eficácia, mostrando uma capacidade de reduzir em quatro vezes o risco de os pacientes desenvolverem a doença em zonas altamente endémicas.

A vacina da Leishmaniose pode ser administrada a partir dos seis meses de idade e recomendam-se dois reforços adicionais para além da inoculação inicial, com três semanas de intervalo.
Recomenda-se que seja realizado um teste de despiste rápido antes da vacinação para que se evite vacinar os animais já portadores da doença. O rappel (revacinação anual) é feito apenas com uma dose. Não deverão ser administradas outras vacinas com um intervalo inferior a 15 dias em relação à vacina em questão. Segundo os ensaios efectuados, a vacina não irá provocar qualquer tipo de reacção diferente das vacinas já existentes.

A vacina vem assim dar aos Médicos Veterinários um novo ânimo, mudando totalmente a nossa perspectiva preventiva e abrindo portas para um novo nível de protecção contra a Leishmaniose.


Fonte: Hospital Veterinário do Restelo

domingo, 8 de maio de 2011

A administração de insulina glargina a gatos com diabetes recém diagnosticada pode aumentar a probabilidade de remissão

A remissão da diabetes, definida como a reversão de um estado de hiperglicemia para um estado de normoglicemia num doente diabético depois de interromper o tratamento com insulina, está descrita em gatos com a diabetes mellitus não complicada ou no tratamento da cetoacidose diabética. Os autores de trabalhos prévios sugeriram que o sucesso do controlo glicémico ou o tipo de insulina administrada podem afectar a taxa de remissão. O objectivo deste trabalho foi determinar e comparar a probabilidade de remissão em gatos com diabetes diagnosticada recentemente, quando tratados com insulina glargina, insulina protamina de zinco (PZI), ou insulina lente administrada por via subcutânea duas vezes/dia.
Para este ensaio prospectivo, foram seleccionados 24 gatos em que a diabetes mellitus tinha sido diagnosticada nas 24 horas anteriores ao seu recrutamento. A avaliação inicial incluiu a realização de um exame físico, perfil analítico sérico, análise de urina e cultura bacteriana da urina. Foi também determinada a concentração de frutosamina em todos os animais. Todos os gatos com doenças graves concomitantes foram excluídos do ensaio.
Os doentes incluídos foram 21 gatos com uma ingestão de alimento adequada e sem sinais sistémicos, permitindo a administração de uma das três insulinas, e três gatos que necessitaram de fluidoterapia intravenosa e insulina regular antes de ser possível iniciar a administração subcutânea. Os gatos foram distribuídos pelos três grupos de tratamento com insulina, numa tentativa de que os grupos fossem homogéneos no que respeita ao genótipo e ao eventual tratamento com corticoesteróides.
A dose inicial de insulina subcutânea foi de 0.25 a 0.5 UI/Kg, determinada pela concentração sérica de glucose [<360 mg/dL (<20 mmol/L) vs. > 360 mg/dL, respectivamente]. Todos os gatos foram alimentados com uma dieta idêntica, de teor ultra-baixo de hidratos de carbono e teor elevado de proteína (a incapacidade para ingerir esta dieta constitui um factor de exclusão), e foram realizadas curvas de glicemia em intervalos regulares, com a dose de insulina ajustadas seguindo uma tabela de determinação de doses específica para ensaios.
A remissão diabética foi definida como concentrações séricas de glucose dentro dos limites de referência, durante duas semanas depois de interromper a administração de insulina.
Neste trabalho, os gatos tratados com insulina glargina apresentaram concentrações sanguíneas médias diárias de glucose significativamente inferiores às dos gatos tratados com PZI ou com insulina lente. De forma concordante com este achado, os gatos tratados com insulina glargina apresentaram concentrações séricas de frutosamina no dia 56 significativamente inferiores às dos animais dos restantes grupos de tratamento. O número de gatos que atingiu a remissão diabética foi de 100% (n=8) no grupo tratado com insulina glargina, comparativamente a 38% (n=3) no grupo tratado com PZI e a 25% (n=2) no grupo tratado com insulina lente. Entre os gatos que no dia 17 não tinham atingido a remissão diabética, foi mais provável que atingissem a remissão os que apresentavam concentrações sanguíneas médias de glucose mais baixas durante 12 horas ( < 288 mg/dL [16 mmol/L]). Embora alguns gatos incluídos no grupo tratado com insulina glargina tivessem desenvolvido hiperglicemia quando tratados de acordo com a tabela de doses do ensaio, nenhum apresentou sinais clínicos relacionados com essa alteração.
A probabilidade de atingir a remissão diabética não se associou à raça. Todos os gatos tratados anteriormente com glucocorticóides atingiram a remissão.

Comentário:
Os resultados deste ensaio suportam a hipótese de que quando administrada a gatos com diabetes diagnosticada recentemente, a insulina glargina resulta numa taxa mais elevada de remissão diabética a curto prazo do que os outros tipos de insulina. Neste estudo, a insulina glargina foi administrada duas vezes/dia (vs. uma vez/dia como em ensaios anteriores), o que pode explicar o aumento referido do sucesso da remissão. No entanto, permitiu também aos autores concluir que uma dose de 0.25 a 0.5 UI/Kg duas vezes/dia é segura e eficaz para conseguir o controlo da glicemia.
Os ensaios realizados in vitro e in vivo no homem e em gatos diabéticos sugeriram que é pouco provável que os doentes tenham perdido a função de todas as células pancreáticas beta quando a doença é diagnosticada pela primeira vez. Um controlo precoce e agressivo da glicemia pode proteger as células funcionais remanescentes de uma glucotoxicidade prolongada, pode permitir uma recuperação parcial de uma agressão não identificada que tenha resultado inicialmente em diabetes mellitus e pode eventualmente permitir a reversão para um estado não insulino-dependente (remissão da diabetes).
No entanto, se esta teoria for verdadeira, qualquer regime de insulina que resulte num controlo estrito da glicemia deve produzir os mesmos resultados. A vantagem teórica da insulina glargina comparativamente a outras insulinas usadas comummente em gatos, é a duração de acção mais consistente sem provocar uma alteração brusca, permitindo assim um controlo apertado da concentração sérica de glucose com um risco mínimo de uma hipoglicemia clinicamente relevante. A administração concomitante de uma dieta adequada à diabetes (teor baixo de hidratos de carbono) previne grandes flutuações da concentração sanguínea de glucose ao longo do dia e pode ainda prevenir a glucotoxicidade, minimizando a utilização de células beta em circunstâncias de necessidades elevadas de insulina.
Os possíveis erros associados a este ensaio incluem a distribuição não aleatória dos gatos pelos três grupos de tratamento, a distribuição não intencional de doentes inicialmente cetoacidóticos nos grupos tratados com outras insulinas que não a glargina, um período de monitorização relativamente curto (112 dias) e uma definição menos rígida da remissão do que as de outros ensaios (duas semanas sem insulina vs. quatro semanas). Embora os gatos que se apresentam inicialmente com cetoacidose possam também atingir a remissão diabética, a sua taxa de recaída (necessitando novamente de terapêutica com insulina) pode ser superior à dos gatos com diabetes não complicada.
É necessário um período de seguimento mais longo antes de ser possível formular qualquer conclusão sobre a taxa de sucesso de qualquer tipo de insulina em conseguir induzir um estado de remissão permanente.

Fonte: Revista Veterinary Medicine Março/Abril 2011

domingo, 3 de abril de 2011

Erliquiose Monocítica

Introdução:

As erliquias são bactérias pequenas, pleomórficas, gram-negativas e intracelulares que são transmitidas por carraças.

Estas podem originar:
- Erliquiose granulocítica
- Erliquiose monocítica

Agentes:
  • Ehrlichia equi – tropismo para os granulócitos; frequentemente em equinos.

  • Ehrlichia ewingii – tropismo para os granulócitos; frequentemente em canídeos.

  • Ehrlichia canis – tropismo para os monócitos; frequentemente em canídeos.

  • Ehrlichia risticii (agente da Febre de Potomac em equinos) – tropismo para os monócitos; frequentemente em equinos.

  • Anaplasma platys, conhecido até recentemente como Ehrlichia platys – tropismo para as plaquetas; frequentemente em canídeos.

  • Ehrlichia chaffeensis - tropismo para os monócitos; frequentemente em humanos.

  • Ehrlichia ruminantium - tropismo para os granulócitos; frequentemente em ruminantes.

Erliquiose Monocítica:

Algumas erliquias apresentam tropismo para células mononucleares, mas as manifestações clínicas estão normalmente relacionadas com outros tipos de células ou sistemas orgânicos. A mórula desta bactéria pode ser encontrada em células mononucleares de animais infectados nos esfregaços sanguíneos.
Em equinos, Ehrlichia risticii - o agente da febre equina de Potomac, também conhecida como erliquiose monocítica equina, infecta monócitos, enterócitos e é principalmente uma doença diarreica.
Em cães, Ehrlichia canis, o agente da erliquiose monocítica canina, infecta células mononucleares.
A infecção por Ehrlichia chaffeensis, o agente da erliquiose monocítica humana, também tem sido relatada em cães. A erliquiose monocítica canina apresenta-se nas formas aguda e crónica. Os animais afectados com a forma aguda apresentam febre, linfadenomegália e esplenomegália. A trombocitopenia e a anemia não regenerativa são alterações comummente observadas.
Cães não tratados recuperam-se da forma aguda desenvolvendo uma fase subclínica, na qual podem apresentar trombocitopenia moderada e persistente. Um subconjunto desses cães desenvolve a doença na forma crónica, que pode ser debilitante e nalguns casos, pode conduzir à morte.
Estudos relataram que os cães de raça Pastor Alemão com erliquiose são predispostos a doenças clínicas particularmente graves. Os casos graves desta patologia são caracterizados por: perda de peso, linfadenomegália, piréxia, trombocitopenia e anemia não regenerativa. Os animais trombocitopénicos podem apresentar graves tendências a sangramentos. Deve-se salientar ainda, que alguns cães com a doença na forma crónica desenvolvem pancitopénia.

As bactérias Ehrlichia são de difícil detecção histológica; a erliquiose é frequentemente diagnosticada com base em testes sorológicos, mas as técnicas de PCR são mais sensíveis.


Mórula de Ehrlichia canis no interior de uma célula mononuclear de um canídeo.


Fonte: "Bases da Patologia em Veterinária", M. Donald McGavin e James F. Zachary

quarta-feira, 23 de março de 2011

Investigação - Impacto de alterações do local de administração de vacinas em gatos

Entre as vacinas para gatos comercializadas actualmente, aquelas que são contra a raiva e contra o vírus da leucemia felina (FeLV) têm sido as mais frequentemente implicadas no desenvolvimento de sarcomas.
Classicamente, as vacinas eram administradas na região interescapular, local mais comum de desenvolvimento de sarcomas presumivelmente relacionados com a injecção. Numa tentativa de recolher mais dados sobre as vacinas mais associadas ao desenvolvimento de tumores, bem como de ajudar o controlo dos gatos afectados, a Vaccine-Associated Feline Sarcoma Task Force publicou novas recomendações em 1996 relativamente aos locais recomendados para a vacinação dos felinos.
Foi pedido aos veterinários que passassem a administrar as vacinas em locais padronizados: a vacina contra a raiva na região posterior da perna direita, as vacinas contra o FeLV na região posterior da perna esquerda e as vacinas contendo antigénios de herpesvírus-1 felino, calicivirus felino e vírus da panleucopenia felina, com ou sem antigénios Chlamydia, na espádua direita. Por outro lado, as vacinas devem ser administradas nos membros em posição distal quanto possível, esperando que nos animais afectados a amputação possa constituir uma opção de tratamento definitivo.
O objectivo deste trabalho foi comparar os locais de injecção de vacinas presumivelmente relacionados com o desenvolvimento de sarcomas diagnosticados entre 1990 e 1996 comparativamente aos diagnosticados entre 1996 e 2006. Os autores identificaram retrospectivamente 392 gatos com diagnóstico presumível de sarcoma no local de injecção. Embora o local de desenvolvimento de neoplasia mais comum tenha sido, durante todo o período estudado, a região interescapular, a ocorrência de sarcomas neste local diminuiu significativamente de 53,4% para 39,5% depois de 1996. Ao longo do tempo registou-se também uma alteração da percentagem de tumores detectados em posição cranial vs. caudal ao diafragma: antes de 1996, 76% vs. 24% dos sarcomas do local de injecção eram craniais e caudais ao diafragma, respectivamente; por outro lado, depois de 1996, estes valores sofreram uma alteração para 60% e 40%, respectivamente. Os autores do estudo ainda determinaram que, a proporção de tumores com origem nas regiões laterais do toráx diminuiu significativamente e que os diagnosticados no membro torácico direito, membros pélvicos e regiões laterais do abdómen aumentaram significativamente, especialmente do lado direito.

Comentário:

Os sarcomas associados à vacinação são uma causa rara mas temida de morbilidade e mortalidade em gatos.
Trabalhos anteriores referiram uma prevalência entre 1 e 10 por 10.000 gatos. Embora este trabalho careça de uma prova definitiva da vacinação como causa presumível de sarcoma no local de injecção e não inclua a revisão histológica dos tumores para identificar características específicas, é pouco provável que a epidemiologia dos sarcomas de ocorrência natural (i.e. os não associados com a vacinação) se altere naquele período de tempo.
Os resultados deste trabalho sugerem que muitos veterinários aderiram às recomendações da Vaccine-Associated Feline Sarcoma Task Force de 1996. Sugerem também que a vacina contra a raiva pode ser mais oncogénica. Depois de 1996, quando foi possível associar localizações específicas a vacinas específicas, o membro posterior direito, que é recomendado para a vacinação contra a raiva, foi o local mais frequente de desenvolvimento de sarcomas.
Infelizmente, uma grande preocupação com origem neste trabalho foi a ocorrência crescente de sarcomas no local de injecção na face lateral do abdómen, que podem necessitar de um tratamento mais agressivo (ressecção da parede corporal, excisão de órgãos internos) e de controlo pós-operatório mais intenso (radioterapia adjuvante mais difícil), do que o necessário na região interescapular. Assim, é de reiterar a necessidade, referida pelo autor, de injecção de vacinas na região distal dos membros. O autor sugere que devido à flacidez e elasticidade da pele dos gatos, a administração de vacinas a um gato agachado, no que parece ser o membro pélvico, é na realidade uma injecção abdominal lateral porque a pele desvia-se para a face lateral do abdómen quando o gato está em estação.
Neste trabalho não foram estudadas marcas específicas de vacinas ou factores associados à administração de vacinas. São necessários mais trabalhos que avaliem outros aspectos dos protocolos de vacinação dos felinos, incluindo o impacto da extensão dos intervalos vacinais, a possibilidade de identificação de gatos com um risco superior de desenvolvimento de sarcomas do local de injecção e a utilização de vacinas de antigénio único e o seu efeito provável no desenvolvimento de sarcomas do local de injecção.


Fonte: Veterinary Medicine

domingo, 13 de março de 2011

Caso de hipoglicemia num canídeo

Histórico:

Um boxer, macho, com oito anos de idade, que apresenta convulsões, fraqueza e confusão mental quando se aproxima a hora de ser alimentado.

Exame clínico:

Os resultados do exame clínico do cão, incluindo o exame neurológico, estavam dentro dos limites normais. O nível de glicose sérica, em jejum, era de 29 mg/dL (o valor normal está entre: 70-110 mg/dL) e a relação entre os níveis séricos de insulina e glicose estava significativamente elevada.

Comentário:

Os neurónios dependem principalmente de oxigénio e glicose como metabólitos para a produção de energia de ATP e não conseguem armazenar quantidades apreciáveis de glicose. O ATP é necessário para a manutenção do potencial eléctrico da membrana. Quando privado de glicose e subsequentemente de ATP, o cérebro deixa de funcionar adequadamente; os sinais clínicos incluem convulsões, fraqueza e confusão mental. Neste canídeo, estes sinais eram mais comuns na hora da alimentação visto que a insulina era libertada à medida que o canídeo previa a ingestão do alimento/quando começava a ingeri-lo, o que causava hipoglicemia.
Neste caso, a proporção de insulina em relação à glicose está elevada, provavelmente devido a uma neoplasia pancreática que secreta insulina. Como a insulina facilita o transporte de glicose pelas membranas celulares, o seu excesso promove a transferência de um excesso de glicose sérica para o citoplasma de outras células do corpo, privando assim os neurónios desse metabólito fulcral.

Tratamento:

Os insulinomas normalmente podem ser encontrados e removidos do pâncreas cirurgicamente. Após a remoção cirúrgica da neoplasia, o tratamento médico é obrigatório para manter a normoglicemia. As medicações incluem glucocorticóides, de forma a estimular a gliconeogénese; diazóxido, para inibir a secreção de insulina; estreptozocina, que é tóxica para as células-beta; e somatostatina, que aumenta a gliconeogénese.
Há um alto índice de metástases neste tipo de neoplasia, o que significa que podem permanecer outros focos tumorais no fígado e noutros locais, produzindo insulina em excesso.



Fonte: Tratado de Fisiologia Veterinária