domingo, 25 de setembro de 2011

Intolerância ao exercício secundária à insuficiência cardíaca congestiva

Anamnese: Uma cadela da raça dogue alemão, de 8 anos de idade, foi previamente diagnosticada como portadora de cardiomiopatia dilatada idiopática; este aumento cardíaco generalizado e grave é observado nas radiografias torácicas. A cadela tem perdido peso gradualmente e é incapaz de completar as caminhadas diárias com os seus donos.

Exame clínico: Os pulsos femorais são fracos, porém regulares e a frequência é de 140 batimentos/minuto. As mucosas estão pálidas e o tempo de preenchimento capilar está prolongado. Os sons cardíacos estão abafados e ausculta-se um sopro no lado esquerdo, sobre a válvula atrioventricular. A frequência respiratória é maior do que o normal (45 respirações/minuto). A auscultação revela murmúrio broncovesicular aumentado. O abdómen está distendido e torna-se difícil a palpação dos órgãos abdominais.

Realizou-se um ECG e este revela uma taquicardia sinusal, com complexos QRS largos e de alta voltagem.
Na radiografia torácica observa-se um grande aumento do coração e edema pulmonar moderado.
A ecocardiografia revela dilatação de todas as cavidades cardíacas; a fracção de ejecção está abaixo do normal e há regurgitação mitral.
Foram realizados testes de diagnóstico adicionais para ajudar a avaliar o grau das complicações secundárias à insuficiência cardíaca. A percentagem de saturação da hemoglobina no sangue arterial era de 78% (normal: 95-100%); a diferença no conteúdo de oxigénio entre o sangue arterial e venoso é de 8.5 mL de O2 por decilitro de sangue (normal: 4-6 mL); a concentração sérica de creatinina é de 3 mg/dL (normal: < 1 mg/dL); a densidade urinária é de 1.036 (limite máximo normal) e a pressão venosa central é de 14 mmHg (normal: 0-3 mmHg).

Quando a cadela é forçada a exercitar, esta fica cansada em menos de 1 minuto; as pernas começam a tremer e por vezes desmaia; nesses momentos a frequência de pulso é de 180 batimentos/minuto e as mucosas estão escuras e cianóticas.

Comentário: A insuficiência cardíaca crónica secundária à cardiomiopatia é comum em cães de grande porte, com mais de 4 anos de idade. Frequentemente a cardiomiopatia é idiopática. O caso apresentado aqui é bastante típico de insuficiência cardíaca avançada. Todas as alterações clínicas são consequências directas da insuficiência cardíaca ou das tentativas do organismo para compensar. Em suma, a insuficiência ventricular (contractilidade reduzida) leva à diminuição do volume de ejecção, do débito cardíaco e da pressão sanguínea.
As compensações para a insuficiência cardíaca envolvem reduções reflexas na actividade parassimpática, aumentos na actividade simpática e elevações na libertação da ADH e renina.
A frequência cardíaca aumenta, o que ajuda a normalizar o débito cardíaco. A pressão de pulso, avaliada por palpação do pulso femoral, é reduzida (visto que a frequência cardíaca está elevada e o volume de ejecção é baixo). Há um menor suprimento de sangue para a mucosa, órgãos esplâncnicos, rins e músculo esquelético em repouso devido à vasoconstrição; isto ajuda a manter a pressão arterial e reserva o débito cardíaco disponível para o coração e para o cérebro. A vasoconstrição é evidente pela palidez e pelo preenchimento capilar lento das mucosas. A vasoconstrição renal reduz a velocidade de formação de urina; a perda urinária de água e sal é reduzida pelas acções da ADH e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, logo, a urina formada possui uma alta concentração de solutos (alta densidade). Os produtos metabólicos (por exemplo: creatinina) que são normalmente eliminados pelos rins, acumulam-se no sangue. A retenção de sal e água eleva o volume sanguíneo para valores acima do normal.
A maior parte do excesso de volume sanguíneo está nas veias, de modo que as pressões venosas e atriais aumentam de forma anormal. A pressão atrial elevada (pré-carga) aumenta o volume diastólico final do ventrículo, o que ajuda o coração insuficiente a bombear um maior volume de ejecção. Porém, o excesso de volume e de pressão sanguínea nas veias também causa edema sistémico (distensão abdominal devido à ascite) e pulmonar (visível nas radiografias torácicas). O edema pulmonar prejudica a habilidade dos pulmões de receber sangue oxigenado. Portanto, a saturação de hemoglobina e o conteúdo de oxigénio do sangue arterial estão abaixo do normal nesta cadela. Os tecidos respondem à baixa oferta de oxigénio, captando tudo o que é possível durante o fluxo tecidual; isto faz com que a diferença arteriovenosa do conteúdo de oxigénio seja maior do que o normal. O transporte cardiovascular inadequado conduz a uma baixa função gastrointestinal e a alterações metabólicas nos tecidos, ocorrendo perda de peso.
Apesar de muitos mecanismos compensatórios, esta cadela é incapaz de oferecer uma quantidade normal de sangue bem oxigenado aos órgãos, mesmo em repouso. Quando a cadela tenta realizar exercício, o débito cardíaco aumenta muito pouco; portanto, quando ocorre uma vasodilatação induzida pelo exercício físico nos músculos em actividade e a resistência periférica total diminui, a pressão sanguínea cai de forma dramática. Ocorre uma redução adicional do fluxo tecidual nos tecidos da circulação sistémica que já estão a sofrer vasoconstrição (por exemplo: mucosas) e estes tecidos tornam-se hipóxicos e cianóticos. O fluxo sanguíneo inadequado na musculatura em exercício provoca hipóxia e acidose; dado isto, a cadela acaba por desmaiar.

Tratamento: A estratégia de tratamento para esta cadela é melhorar o desempenho contráctil do miocárdio. Teoricamente, agonistas beta-adrenérgicos e glicosídeos cardíacos poderiam ser administrados para aumentar a contractilidade cardíaca. Porém, os fármacos actualmente disponíveis são ineficazes ou apenas discretamente eficazes em cães com insuficiência cardíaca crónica grave. Portanto, o tratamento deveria ser direccionado para os sintomas, com o objectivo de controlar a congestão pulmonar e melhorar o débito cardíaco. Os diuréticos e os venodilatadores reduzem as pressões venosas e são geralmente eficazes no controlo dos sinais de congestão. Devem ser usados com cuidado, porém, pois existe o risco de reduzir a pré-carga e, portanto, exacerbar o baixo débito cardíaco. Os vasodilatadores arteriolares podem aumentar o débito de um coração insuficiente reduzindo a pós-carga (pressão arterial) contra a qual o coração deve ejectar o sangue. O tratamento inicial adequado para este cão inclui diurético (furosemida) e um glicosídeo cardíaco (digitálico).
Se o digitálico não melhorar a contractilidade cardíaca neste caso de cardiomiopatia avançada, pode-se adicionar um vasodilatador arteriolar (hidralazina) ou um vasodilatador-venodilatador misto (enalapril) ao regime de tratamento com furosemida.
Apesar do tratamento, o prognóstico para um cão com insuficiência cardíaca crónica grave não é o ideal.